Descrição: a Ciranda é uma forma de expressão que une música e poesia para embalar uma dança de roda, em que os participantes entrelaçam as mãos ou os braços para dançar juntos em um círculo fechado, em uma única direção. A dança é um elemento central para vivenciar a Ciranda, expressa na simplicidade e espontaneidade dos passos, celebrada coletivamente e representando a integração e a união dos que compõem a roda. Não há limites para o número de participantes da Ciranda, sendo uma das principais premissas o acolhimento de mais brincantes durante sua execução. Os espaços e temporalidades de ocorrência dessa expressão cultural não são rígidos, e a roda pode acontecer em diferentes contextos como o carnaval, o ciclo junino ou no encerramento de qualquer atividade celebrativa, em espaços abertos, como ruas e praças, ou até mesmo em lugares fechados. Para além da espontaneidade que marca essa dança, atualmente existem diversos grupos de Ciranda, comumente formados por um(a) mestre(a) cirandeiro(a), o terno, os batuqueiros e as cirandeiras. O mestre ou mestra da Ciranda é a figura central da manifestação, detém os conhecimentos e é respeitado pelos membros do grupo e pelos demais mestres da comunidade cirandeira. Seu papel, além do repasse dos ensinamentos é guiar e conduzir o grupo, assim como organizar as apresentações. À pesquisa de referência para o Registro foi realizada em Pernambuco, na Zona da Mata Norte e Região Metropolitana de Recife, mas há ocorrência dessa expressão em outros estados do Nordeste, em especial nos estados vizinhos de Alagoas e Paraíba. Em Pernambuco, cirandeiros costumam categorizar a Ciranda da Zona da Mata Norte como mais “avexada”, de “pé duro”, de “supapo”, de enredo, sendo ela uma dança mais agitada e rápida. Já a da Região Metropolitana de Recife é conhecida como Ciranda de embalo, compassada, sendo mais lenta e cadenciada, cujos movimentos remontam ao balanço das ondas do mar. A musicalidade da Ciranda é um fenômeno social complexo para além da sonoridade, abrangendo uma gama de instrumentos e estruturas musicais, conceitos, movimentos, interligando poesia, ritmo, melodia e celebração no cirandar. É a música que propõe os movimentos da dança, com o canto de versos das mestras e mestres cirandeiros que são respondidos por um coro, em uma estrutura chamada resposta. Os batuqueiros costumam manter a base do ritmo da Ciranda, enquanto os músicos fazem a melodia, em geral repetindo um tema cantado pelo(a) mestre(a) cirandeiro(a). Esse ritmo é balizado pelo toque do surdo, que marca o tempo forte, entrelaçando a cadência dos passos da dança de roda. Nesta expressão cultural, o conceito de improviso está relacionado à capacidade de composição e musicalização de versos, compostos cotidianamente pelos cirandeiros e cirandeiras ou criados repentinamente pelos mesmos durante uma apresentação. Os significados enaltecidos pela Ciranda remontam à história da colonização do Nordeste brasileiro, marcada pela monocultura açucareira, pela escravidão, pela decadência desse sistema e pelas consequências dessa estrutura na organização espacial e social da região — todas essas questões permeadas pelas matrizes identitárias das culturas indígena e afro-brasileira. Na roda de ciranda, são trazidos à tona sentimentos de celebração e pertencimento a um lugar e a uma história, seja das cirandas à beira mar, seja das noites de festa nos engenhos de cana-de-açúcar. A Ciranda se destaca, então, pelo seu caráter lírico e poético na combinação cadenciada de música, dança e versos, que se configuram numa forma de preservação de saberes mediados pela oralidade e pelo improviso, nos quais a criatividade e a irreverência expressam valores de resistência da vida dos cirandeiros e cirandeiras. A diversidade de dimensões dessa manifestação cultural nordestina se expressa no momento que as pessoas dão as mãos e, embaladas pela música, reconhecem suas diferenças ao vivenciar igualmente a mesma celebração. Assim, essa simbologia de uma expressão cultural democrática, de compartilhamento e inclusão é um valor central na Ciranda. Esta descrição corresponde à síntese do conteúdo do Processo Administrativo nº 01450.000867/2015-14, seus anexos e apensos, no qual se encontra reunido um amplo conhecimento sobre este bem cultural, contido em documentos textuais, bibliográficos e registros audiovisuais. O presente Registro está de acordo com a decisão proferida na 97º Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, realizada no dia 31 de agosto de 2021.
